Resiliência, a irmã da serendipidade

Anita Malfatti - A Ventania, 1915/1916

Anita Malfatti - A Ventania, 1915/1916

Esta é a história que quero contar hoje. Depois de se formar em Relações Públicas, a jovem Eduarda não sabia o que fazer. A situação econômica não estava boa e as empresas não estavam contratando na área dela. Ela estava disposta a vender o carro e juntar suas economias para investir em uma pós-graduação. 

Depois de dedicar um tempo analisando as alternativas e fazendo contas, ela decidiu fazer um MBA em uma renomada universidade paulista. Ao levantar a documentação necessária, Eduarda se surpreendeu com a notícia de que ainda tinha pendências com a Universidade para obter seu diploma: eram as horas de estágio obrigatórias para concluir o curso. Ao ver que o cumprimento dos requisitos a fariam perder mais um ano, ela não se perdoou por ter sido tão negligente e lamentou ao ver seus planos de desenvolvimento afundarem.

Eduarda compartilhou suas dores e frustrações com os amigos e um deles perguntou: “Por que você faz questão de fazer uma pós?”. Eduarda explicou que precisava melhorar seu currículo com uma formação diferenciada para aumentar as chances de conseguir um emprego na sua área. O que seu amigo disse ficou reverberando em sua mente por alguns dias: “E quem disse que uma pós é o único caminho para conseguir esta formação?”.

Em uma das visitas que fez à Universidade para tentar resolver o seu problema, estava acontecendo um evento sobre inovação com um empreendedor chamado Eric Faria. Para passar o tempo até o horário de sua reunião, Eduarda resolve dar uma olhada na palestra. Eric fala de seu negócio, o Worldpackers, um sistema colaborativo de albergues e pousadas no qual os viajantes, a maioria mochileiros, trocam diárias por serviços. Eduarda acha o modelo interessante e começa a pesquisar sobre o tema e sobre a empresa. 

Ela acaba descobrindo, por acaso, uma grande oportunidade: realizar o sonho de conhecer a Europa com baixo custo. E, depois de pesquisar sobre possibilidades e fazer algumas contas, viu que podia usar o esquema do Worldpackers para guardar uma boa grana trocando hospedagem pelo trabalho na recepção, onde ela tinha uma vantagem por sua formação. Ela faz as malas, pega o voo de ida e acaba conhecendo 4 países em três meses, uma experiência que abriu sua mente de uma forma que nenhum MBA faria. 

Uma das pessoas que ela conheceu nesse período foi um hóspede especial. Paolo era um arquiteto italiano, também recém-formado e, para encurtar a história, Eduarda casou com ele, vive em Florença, tem dois filhos e um bom emprego na área de comércio internacional de uma indústria de máquinas de embalagem.

Já falamos aqui no blog sobre a importância da serendipidade no desenvolvimento de nossas competências mais relevantes para a identificação de oportunidades. Foi a espontânea curiosidade de Eduarda que a levou a descobrir, por acaso, o Worldpackers, agente fundamental em toda sua história de vida.

Uma outra palavra especial que acompanha a serendipidade é a resiliência. Por muito tempo a comunidade de negócios valorizou a flexibilidade como uma competência básica para se adaptar com rapidez à dinâmica revolução do ambiente econômico que marcou a década de 80 em todo o mundo. Desde a virada do milênio, entretanto, a resiliência trouxe uma abordagem mais pertinente para a flexibilidade para os desafios enfrentados, tanto por empresas, como governos e pessoas.

Ao contrário da flexibilidade, que pode ser interpretada como a capacidade de adaptação e adequação às novas circunstâncias, a resiliência é uma forma específica de adaptação quando a circunstância é particularmente adversa. Eduarda seria flexível se tivesse que adaptar os seus planos para fazer outro curso ao invés do MBA, alterando um pouco seus planos originais. Eduarda foi resiliente ao aceitar que todo o seu plano de fazer um MBA não necessariamente era o único caminho para aprimorar sua formação. Ao invés de contornar o problema para atingir seu objetivo, Eduarda questionou seu próprio objetivo. 

É assim que pessoas com resiliência operam: questionam a natureza de suas metas e objetivos, procuram um significado para o que fazem e, diante de circunstâncias adversas, que impedem ou dificultam a execução de seus planos, questionam todo o contexto e buscam novos significados ou caminhos diferentes para atingir seus propósitos maiores. Entender que a motivação que levou Eduarda a fazer um MBA é o aprimoramento de sua formação e que uma experiência internacional pode atender, de formas diferentes, a mesma motivação, faz parte do mindset do resiliente.

A resiliência pode ser entendida como a capacidade de se adequar a uma situação adversa e pode ser avaliada em termos de intensidade e frequência. Maior é a resiliência quanto maior for a dificuldade e maior é a resiliência quanto mais a pessoa suporta adversidades. Continuando com o exemplo da Eduarda, abandonar o plano do MBA em favor de uma viagem pela Europa é uma mudança de grande envergadura na sua vida, portanto, resiliência de intensidade. Se Eduarda fosse barrada por outros problemas diretos no caminho do seu desenvolvimento pessoal e ainda assim persistisse, demonstraria resiliência de frequência. Em outras palavras, sua tenacidade para suportar adversidades. 

É famosa a metáfora do carvalho que bravamente tenta resistir ao vento forte como a figura da rigidez que só leva à sua destruição quando o vento se mostra mais forte do que ele e a flexibilidade do bambu que verga ao sabor do vento, mas não quebra. A resiliência do bambu pode ser observada na sua capacidade de aguentar ventos cada vez mais fortes e continuar intacto. 

A resiliência não é algo que a pessoa tem ou não tem. Todos são resilientes, alguns mais, outros menos, e a melhor forma de descobrir os seus limites é estudar a reação diante de uma situação muito difícil, como a perda de um familiar próximo, uma demissão ou um acidente. A resiliência não quer dizer que a pessoa aceita bem a adversidade. O sofrimento e a dor são comuns e no final todos acabam se recuperando, mas os resilientes se recuperam logo.

Muitas vezes, é a serendipidade que ajuda nesta recuperação, quando prevalece o pensamento do tipo: “O que adianta eu ficar aqui chorando? Nada vai mudar o que aconteceu, mas eu posso mudar o que vai acontecer”. Aceitar que o que aconteceu pode ter sido necessário para se abrirem novas perspectivas, como a que se descortinou para Eduarda, é uma forma positiva de enxergar a adversidade, até porque as alternativas são a frustração e o sofrimento.

Afinal, você prefere continuar sofrendo ou abraçar a oportunidade que está oculta nos (des)caminhos da vida?

Por Marcos Hashimoto

Co-fundador da Polifonia e Professor de Empreendedorismo na Universidade de Indianapolis - EUA, consultor de negócios e especialista em inovação corporativa.

Polifonia